EM CASO DE ABUSO, QUEBRE O SILÊNCIO!


Em cada parte do mundo e ao longo de toda a história, a violência tem se apresentado de diversas formas.
Ela pode ser legalizada pelo Estado, legitimada por costumes, aceita culturalmente, punida, combatida, aplicada ou atacada por preceitos religiosos. Seja como for, Jesus Cristo tem uma forma universal de lidar com o tema,
não interessa etnia, credo, religião, pecado ou crime. Ele
não desiste de ninguém! Neste dia, Jesus nos ensinará,
por meio da Sua Palavra, como Ele encara a violência e
o abuso, acima de qualquer preceito terrestre.
Na América do Sul, felizmente, a violência sexual,
seja contra adultos ou crianças não é aceita de forma
alguma! Desde a Convenção dos Direitos da Criança
(ONU, 1989), é consenso entre os países que toda criança ou adolescente tem o direito humano de viver sem violência.

Mas isso não é suficiente para evitar que ela
aconteça. E, o mais triste, grande parte dela ocorre com
crianças que quase nunca possuem força de reação.
A impressão que se tem é que a violência tem a
tendência de estar diminuindo com o passar do tempo
em virtude da força das autoridades, pela influência de
escolas, políticas públicas, etc. Mas, infelizmente, como
um dos efeitos colaterais mais antigos do pecado, a violência segue presente e fazendo os seus estragos. Só em um dos países do território da Divisão Sul-Americana, para falar apenas de um crime ligado à violência sexual, temos dados alarmantes.


Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada do Brasil, o IPEA, em março de 2023, na apresentação de suas Evidências para Políticas Públicas nº 22, só no
Brasil, ocorreram 822.000 casos de estupro por ano! São
dois casos por minuto! E o pior, somente 8,5% desses
casos chegam ao conhecimento da polícia. Dos poucos
casos que chegam ao conhecimento das autoridades,
de 2009 a 2019, no Brasil, 63.309 ocorreram com crianças de 0 a 10 anos e 98.221 com jovens e crianças de 11 a 20 anos.
A consequência desses atos de violência contra
crianças e adolescentes é um desafio para toda a sociedade, e ainda mais para a Igreja, pois “a violência representa uma das piores experiências adversas na infância,
assim conceituadas como aquelas que geram estresse
tóxico e interferem no curso normal do desenvolvimento,
pois tornam as crianças e também os adolescentes física,
psíquica ou socialmente vulneráveis” (GILBERTI, 2010).
A própria condição da criança e do adolescente
como sujeito em condição peculiar de desenvolvimento requer maior atenção e cuidados para sua proteção integral. Quando o agressor é uma pessoa do círculo familiar ou alguém com quem a criança mantém vínculo afetivo e/ou de confiança, o processo de denúncia torna-se ainda mais difícil, por vários motivos, incluindo-se o fenômeno da síndrome do segredo.
Furniss (1993) define como síndrome do segredo
a dificuldade de crianças e adolescentes vítimas de
violência revelarem tais experiências por alguns fatores
que podem estar presentes na dinâmica de relação com
o agressor. Dentre eles, pode-se citar a ocorrência de
ameaça por parte do agressor, sentimento de culpa e
vergonha por parte da vítima, ansiedade em relação às
consequências da revelação e tipo de vínculo com o(a)
agressor(a).
Estudos sobre as reações da figura paterna, frente à revelação do abuso sexual, demonstram que 37%
expressaram acolhimento e compreensão; no entanto,
63% demonstraram agressividade e culpa, principalmente nos casos de crianças que relataram abuso sexual intrafamiliar comparado aos casos de abuso sexual
extrafamiliar. As crianças que relataram sentimentos de
medo, vergonha, insegurança e inadequação após a revelação do abuso, não haviam recebido o apoio adequado de seus pais.
Nesse sentido, um aspecto relevante para o prognóstico positivo das vítimas diz respeito à forma como
as mães lidam com a situação.
. O fato, por exemplo, de uma mãe acreditar no relato de sua filha vítima e tomar
medidas de proteção, poderá repercutir no modo como
a própria vítima consegue elaborar a experiência traumática. Observou-se que a maneira como a mãe lidou com a situação da revelação gerou um grande impacto
no ajustamento emocional da criança e do adolescente.
Ou seja, neste mundo de pecado, a violência, mesmo escondida de alguns, segue sendo um dos grandes
males que assolam a humanidade. E não se iludam, o
agressor, em muitos casos, é uma pessoa considerada
acima de qualquer suspeita, tem respeito e credibilidade, e está seguro numa vida de aparências. E, como dito, não é algo novo. No Evangelho, no livro de João, capítulo
8, versículos 1 a 11, temos várias lições sobre como lidar
com a violência.

  1. O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA SEGUNDO JESUS CRISTO
    Diante de uma cena grave de violência, que poderia
    ser ainda pior a depender da decisão tomada, Jesus nos
    revelou o melhor caminho para solucionar o caso. Muitos conceitos são extraídos dessa passagem bíblica. E hoje, vamos abordar aqueles que são essenciais para a
    Igreja neste enfrentamento.
    3.1 Violência premeditada
    Nem sempre a violência é uma explosão de ira. Muitas vezes ela é planejada, ou ainda pior, decorrente de uma patologia, como acontece no caso de psicopatas.
    Ela pode acontecer na escola, nas ruas, e mesmo que
    queiramos crer que não, até mesmo dentro das nossas
    igrejas e famílias.
    Um caso como este, de violência premeditada, foi
    descrito por João. Supostos religiosos estavam na iminência de serem autores de uma grande violência:
    “ Jesus, no entanto, foi para o monte das Oliveiras.
    De madrugada, voltou novamente para o templo,
    e todo o povo se reuniu em volta dele; e Jesus, assentado, os ensinava. Então os escribas e fariseus
    trouxeram à presença dele uma mulher surpreendida em adultério e, fazendo-a ficar em pé no meio de todos, disseram a Jesus: — Mestre, esta mulher
    foi surpreendida em flagrante adultério. Na Lei, Moisés nos ordenou que tais mulheres sejam apedrejadas. E o senhor, o que tem a dizer? Eles diziam isso
    tentando-o, para terem de que o acusar (João 8:1-6, NAA).

    Violência claramente premeditada. O falso sentimento religioso estava presente para legitimar o ato.
    Havia “um bem maior” que justificava a armação. Dentre
    muitas irregularidades, uma delas era uma fraude clara,
    pois se o adultério era flagrante, onde estava o parceiro?
    Não se comete “flagrante adultério” sozinha.
    É muito importante que as pessoas estejam em
    constante alerta para evitar que violências premeditadas
    tenham espaço na comunidade ou famílias, especialmente envolvendo crianças e adolescentes que muitas vezes não conseguem perceber a malícia que pode preceder um ato de abuso. Não raramente, os abusadores deixam falhas que podem ser percebidas e usadas para
    fazer cessar a violência ou, ainda melhor, para prevenir.
    3.2 A violência cessou aos pés de Jesus
    Quando foi colocada na presença de Jesus, cessou a violência até ali em andamento. Temos aí mais um grande desafio, especialmente quando se fala em violência infantil: A VÍTIMA DEVE SER PROTEGIDA O TEMPO TODO!

    Jesus não fez mais nenhuma exposição da vítima.
    Estava claro outro preceito: NÃO HÁ QUALQUER MOTIVO QUE JUSTIFIQUE A VIOLÊNCIA!
    É muito comum, especialmente no caso de
    agressores mais perigosos, que seja iniciado um
    processo de construção de culpa na vítima e naqueles
    que denunciam a violência. Interessante que, nesta
    parte do Evangelho, isto estava muito claro. A suposta
    culpa da vítima já estava em evidência e faltava agora
    construir a culpa daquele que estava na iminência de
    denunciar a pretensão violenta.
    3.3 Com quem Jesus se ocupou neste contexto de
    violência?

    A resposta para essa pergunta é a parte mais incrível dessa passagem bíblica. Diante da situação em que muitos pensariam apenas na vítima, Jesus teve uma visão muito mais ampla do problema. Ele sabia que a salvação até mesmo dos agressores era fundamental para
    resolver o problema em sua essência social e espiritual.
    Tão importante quanto salvar e proteger a vítima é revelar à parte agressora a malignidade de seu ato e tentar converter sua conduta criminosa em arrependimento.
    Há muitas causas que podem levar alguém a ser
    autor de violência. Traumas, ira, patologias, vingança, fanatismo, dentre outras. Até mesmo a pessoa que é autora da violência de hoje, pode ter sido a vítima de ontem.
    Jesus sabia disso, e é fato que Ele veio salvar todas as
    pessoas, vítimas ou agressores, pois Jesus morreu por
    todos! E a forma como Ele demoveu os agressores de
    seu intento de violência é uma lição essencial. Ele trouxe
    luz e consciência para a gravidade das intenções quando
    mostrou que todos nós somos vulneráveis à violência,
    seja ela de que natureza for. E como Jesus trouxe essa
    consciência? A Bíblia revela o método do professor que
    se inclina para proteger a vítima, ao mesmo ato em que
    busca salvar os agressores:
    “ Mas Jesus, inclinando-se, escrevia na terra com o
    dedo. Como eles insistiam na pergunta, Jesus se levantou e lhes disse: — Quem de vocês estiver sem pecado seja o primeiro a atirar uma pedra nela. E,
    inclinando-se novamente, continuou a escrever no
    chão. Mas eles, ouvindo essa resposta, foram saindo um por um, a começar pelos mais velhos até os últimos, ficando só Jesus e a mulher em pé diante
    dele (João 8:7-9, NAA).

    Sobre o que Jesus escreveu na areia, Ellen White
    esclarece: “Ali, traçados perante eles, achavam-se os
    criminosos segredos de sua própria vida” (DTN, p. 461, 2012).
    Ou seja, como Jesus agiu, a Igreja também precisa
    agir. É preciso ir muito além de uma política pública/criminal, buscando a salvação de todos os envolvidos, isso mesmo, até dos agressores. E isso não significa ingenuidade de não reconhecer a gravidade do problema, mas sim de atacar o problema em sua origem, que é o agressor. Hoje, aqui, pode haver entre nós vítimas e agressores que nunca quebraram o silêncio. E esse silêncio não
    é somente externo! O primeiro passo para a mudança é
    quebrar o silêncio em seu próprio coração.
  2. CONCLUSÃO – NEM POR CULPA, NEM POR CONDESCENDÊNCIA, MAS PELA GRAÇA!
    O legado para o enfrentamento da violência estava posto. Jesus mostrou claramente o caminho para a Igreja. Antes de qualquer coisa, que cesse a violência e
    que a vítima seja protegida e acolhida. Na sequência, é
    essencial trazer consciência aos agressores do mal que
    estão causando e da ilegitimidade pecaminosa de tais
    atitudes praticadas. No final das contas, Jesus deixou a
    marca nos corações: – “Isso não é natural!” E do mais
    velho, duro de coração, até o mais novo, afoito por sentimentos justiceiros, todos foram largando suas pedras e se retirando, até que só restasse Jesus e a mulher.
    Interessante que Jesus deu uma outra aula no chão,
    também, fundamental. Ele fez o que o projeto “Quebrando o Silêncio” tem como um de seus objetivos principais!
    Jesus Cristo, pelo Seu poder e graça, transferiu a culpa
    que a vítima sofria e lhe era atribuída pelos que a cercavam para os verdadeiros culpados, os agressores que, pela mesma graça, tiveram a oportunidade de salvação
    vinda das mãos do Cordeiro de Deus que tira o pecado
    do mundo e, consequentemente, de todos os corações
    que conscientemente soltam as pedras prontas a serem
    arremessadas contra a vida de outros.
    A sentença final é a maior prova de acolhimento da
    vítima outrora desprotegida. E mais uma vez, indo além,
    Jesus se preocupa também com a salvação da vítima ao
    olhar em seus olhos e dizer:

    “ — Mulher, onde estão eles? Ninguém condenou
    você? Ela respondeu: — Ninguém, Senhor! Então Jesus disse: — Também eu não a condeno; vá e não peque mais (João 8:10, 11, NAA).

    Quem é você neste cenário? Vítima? Agressor? Ambos? Hoje é um dia de libertação e perdão. Tome consciência de seus atos, e converta toda a violência em arrependimento. Quebre o silêncio em seu coração, largue suas pedras, busque ajuda para cessar a violência, seja
    ela sofrida, ou praticada por você.

Luigi Braga
Advogado Geral
Divisão Sul-Americana da Igreja Adventista do Sétimo Dia