Por que é importante que os cristãos falem mais sobre paz em tempos de tanta violência e descaso à dignidade humana? Especialmente a paz que vem de Deus.
Por Odailson Fonseca15 de outubro de 2021
Ela bateu todos os recordes. Em 28 dias, mais de 111 milhões de lares consumiram seus episódios. Isso fez dela a série mais assistida da história da Netflix. Como só se fala nisso no streaming-space, trata de um assunto que nos leva a refletir. Estou falando de Round 6, uma k-série sul-coreana que transformou jogos infantis na luta pela sobrevivência. Sim, dos 456 participantes concorrendo ao prêmio de 200 milhões de reais (atualizado), nesta história sinistra, quem perde paga com a própria vida. E haja sangue cenográfico espirrando na tela!
Batatinha-frita 1, 2, 3…
Confesso que não assisti a toda a série. As cenas violentas, tentando fazer sinfonia de um massacre em cores vibrantes, afastaram meu interesse por este espetáculo do avesso. É um fenômeno que usa agressividade social como matéria-prima. Por isso, sinceramente, e sem fazer publicidade, desacredito merecer o tempo de quem tem mais para pensar, sonhar e testemunhar. Até porque para falar de um crocodilo não é preciso entrar no tanque com ele. E muitos já tratam do conteúdo desta série por diferentes ângulos.
No entanto, com tantos maratonistas-usuários no percurso do entretenimento digital, vale uma sinopse conceitual (sem spoiler) de Round 6. Aqui vai: é uma crítica pesadíssima ao descaso pela valorização humana em que a rivalidade gananciosa se deforma na luta mais sombria pela existência, além de destacar a desigualdade como combustível desumanizador carregado de orgulho, egoísmo e descaso com as “criaturas feitas à imagem de Deus” (Gênesis 1:26-28).
Nada novo debaixo do céu, concorda?
A verdade é que todo este conteúdo pode ser resumido numa única expressão: a escassez da paz. É isso! Por séculos e séculos, nossa sociedade adoecida continua refém da profecia pós-edênica “maldita é a terra por sua causa; com sofrimento você se alimentará dela todos os dias da sua vida” (Gênesis 3:17). Desde lá, o homem nunca mais teve plenitude de calma e sossego. Rastejamos em um cotidiano desidratado de tranquilidade solidária capaz de violentar a perfeição que o Criador carinhosamente repassou à sua obra-prima na criação. É a economia do desamor. Onde se gasta tempo fugindo da morte, tão inevitável quanto cada vez mais próxima.
Pessimismo? Apenas realismo saltando da tela para o nosso desjejum diário. “Os dias em que vivemos são solenes e importantes. O Espírito de Deus está, gradual, mas seguramente, sendo retirado da Terra. Pragas e juízos já estão caindo sobre os que desprezam a graça de Deus. As calamidades em terra e mar, as condições sociais agitadas, os rumores de guerra, são assombrosos. Prenunciam a proximidade de acontecimentos da maior importância”[1].
Na escassa felicidade garimpada por nós – sobreviventes – sobram tristes exemplos de solidão, vazio sem fim e agressividade tingindo nossas memórias de sangue de verdade. Além disso, a pandemia que nos distanciou, contribuiu ainda mais para o isolamento existencial de nossa raça decaída. Com o otimismo rarefeito, a Bíblia é super atual: “sabemos que somos de Deus e que o mundo todo está sob o poder do Maligno” (1 João 5:19). Este é o absolutismo do inimigo. Por isso, não escapo de uma citação de Manuel Castells, em seu livro Redes de Indignação e Esperança, quando afirma que “um mundo não violento não pode ser criado pela violência, muito menos pela violência revolucionária”[2]. Isso é forte e necessário! A não-violência é a verdadeira arma de combate ao totalitarismo opressor da significância.
Paz
Ultrapassando 400 citações bíblicas mencionando diretamente a importância da paz, necessitamos falar, pensar e mostrar este atributo do cristão em tempos de ausência. “O mesmo Senhor da paz vos dê sempre paz de toda maneira” (2 Tessalonicenses 3:16). Conseguiremos ser pacificadores genuínos?
“Na sociedade do desempenho é preciso poder fechar os olhos – ou o sujeito do desempenho se despedaça sob a coação de sempre ter de produzir mais desempenho”.[3] Será possível fechar os olhos em tempos de obsessão extrema na competição pelo pódio exclusivo? Faz-se necessária a reversão transformadora que só Deus é capaz de fazer.
“Deixo com vocês a paz. É a minha paz que eu lhes dou; não lhes dou a paz como o mundo a dá. Não fiquem aflitos, nem tenham medo!” (João 14:27). Esse é o Round 7 de quem vai além da escassez da paz. Sem esperar o próximo, seja o pavio do bem detonando a revolução da serenidade, da plenitude, da solidariedade. Lembre-se de que só os pioneiros marcam as horas cheias! Que o melhor que está por vir comece desde já. Afinal, uma geração que consome violência de sobra precisa urgentemente rever seus conceitos. Há esperança antiavareza para o prêmio do verdadeiro sucesso. Que sucesso? “Sabendo que receberão do Senhor a recompensa da herança – é a Cristo, o Senhor, que vocês estão servindo” (Colossenses 3:24).
Entenda de uma vez que pacificadores são herdeiros do Reino, arautos do bem e “filhos de Deus” (Mateus 5:9). Promova a série profética de um Deus que está para voltar, maratonando na comunhão com Ele. O melhor está para vir e não haverá escassez de nada mais.
Referências:
[1] Ellen White – Testemunhos Para a Igreja, volume 9, p. 11.
[2] Manuel Castells. Redes de Indignação e Esperança, página 128.
[3] Byung-Chul Han, Favor Fechar os Olhos, página 30.
Odailson Fonseca
ON
Inovação jovem sob uma perspectiva inteligente
Teólogo e publicitário, dirige o departamento de Comunicação da Igreja Adventista para o Estado de São Paulo. @odailson_ucb