Vitória no madeiro

6 O DIA | QUINTA-FEIRA – SEMANA SANTA


A imagem da cruz desperta as mais diversas reações. Cruzes povoam a paisagem triste dos cemitérios e lembram as piores perseguições religiosas. Cruzes se
destacam em obras de arte e figuram nas marcas de automóveis.

Pensando em Jesus e Sua morte, a imagem tão comum da cruz nunca transmitiu uma mensagem entendida da mesma forma por todos, ou, no mínimo, pela maioria. Ainda hoje é assim.
Na cultura popular, a cruz se transformou em um símbolo de morte e de terror.
Pensando apenas no símbolo, a cruz sempre despertou acusações filosóficas de loucura e escândalo, aclamações religiosas de gratidão e louvor.


A cruz foi o ponto culminante e decisivo do grande conflito entre o bem o mal.
Foi a prova definitiva pela qual Jesus teria que passar em favor da raça humana. Se
Ele falhasse no último segundo, tudo estaria perdido para sempre. Mesmo sendo
detentor de todo o poder no Céu e na Terra, Jesus tinha que suportar toda a dor do
Calvário para cumprir Sua missão.
O preço de nossa redenção exigia apenas o derramamento do sangue de
Cristo para a remissão de pecados. O caminho que Ele trilhou não foi apenas o
da morte, mas o de inominável dor, de uma angústia sem medida. Usada pelos
povos antigos, a cruz era um instrumento desenhado para causar a morte mais
dolorosa, lenta, cruel e vergonhosa possível. Era reservada apenas aos piores criminosos. Para Cícero, orador romano que viveu entre 106 e 43 a.C., crucificar um
cidadão romano “é crime, chicoteá-lo é abominação […], crucificá-lo é – o quê?
Não há palavras que possam descrever ato tão horrível” (Against Verres, II. V. 64,
parágrafo 165, citado por John Stott, A Cruz de Cristo, 1991, p. 18).
Frederick T. Zugibe, médico legista e investigador criminal, se dedicou a
estudar anatomicamente os efeitos da crucificação sobre o corpo de Jesus. Após
décadas de pesquisas e experiências científicas, seu livro de 456 páginas dá
uma ideia mais clara da brutalidade que a crucificação representou. Ela era um
método de tortura comum desde o século 6 a.C. Entre os romanos, era uma punição comum para os inimigos do império e para os cidadãos traidores.
Cerca de 500 judeus eram crucificados por dia durante o cerco a Jerusalém
em torno do ano 70 d.C. Faltavam espaço e árvores para fazer mais cruzes (Simon
Sebag Montefiore, Jerusalem: The Biographie, 2011, p. 3, 4, 7, 8). Os soldados
costumavam pregar “as vítimas em diferentes posições por mera diversão”. O filósofo romano Sêneca, contemporâneo de Jesus, viu cruzes diferentes umas das
outras. Ele afirmou: “Algumas têm suas vítimas com a cabeça batendo no chão.
Outras empalam suas partes íntimas e outras mantêm os braços do condenado
esticados no patibulum [a parte horizontal]” (Zugibe, A Crucificação de Jesus,
2014, p. 71, 72).
Geralmente, um grupo de cinco soldados realizava o trabalho de forma profissional. O exactor mortis (“condutor da morte”) liderava um grupo que escoltava o prisioneiro até o local de execução, geralmente próximo a túmulos e valas.

Ele tinha que assegurar que o condenado não morresse antes da hora. Foi por isso
que, ao Jesus cair sob o peso do patibulum (a parte horizontal e móvel da cruz),
Simão de Cirene foi obrigado pelo soldado a carregar a cruz. Após uma noite
de julgamentos ilegais, espancamentos e humilhações, Jesus foi açoitado com o
chicote (flagrum) romano, que tinha pontas de metal e ossos, criando sulcos nos
músculos das costas, afetando Seus ossos e órgãos internos.
Segundo Zugibe, Cristo já havia perdido muito sangue e Se desidratava
rapidamente sob o sol forte. “A exaustão foi acompanhada pela falta de ar, pelo
fluido pleural que estava lentamente se acumulando em Seus pulmões.” Uma dor
extrema “da neuralgia do trigêmeo irradiava-se por Seu rosto e couro cabeludo
toda vez que tropeçava e caía, e sofreu fortes dores em todos os Seus músculos e
juntas”. Ao chegar ao local da crucifixão, os soldados lançaram sortes e arrancaram com força Sua túnica grudada às feridas do corpo, “causando surtos de dor
pelo corpo de Jesus” (Zugibe, A Crucificação de Jesus, p. 68, 69).

Utilizavam pregos enferrujados de cerca de 12 centímetros. Os pés não tinham um apoio, como algumas pinturas descrevem. Eles eram pregados no “peito do pé”, rentes à coluna da cruz, e os joelhos permaneciam o tempo todo flexionados, deixando a vítima em uma condição de contínuo esforço
e fadiga muscular, tentando se equilibrar, respirar e controlar a dor dos cravos nas
mãos e nos pés.
Normalmente, os condenados eram pendurados sem roupa sobre a cruz,
expostos à mais degradante humilhação. Os cravos geravam uma dor extrema, ao
esgarçar tecidos sensíveis. Bastava uma suave brisa, a luz solar ou qualquer movimento para causar “dores queimantes, contínuas e lancinantes”, segundo Zugibe.
“Depois de um curto período na cruz, as fortes cãibras, o adormecimento e o
esfriamento da panturrilha e das coxas, causado pela compressão devida à flexão dos joelhos, teriam forçado Jesus a arquear Seu corpo [pondo a barriga para
a frente e o pescoço para trás], numa tentativa de esticar as pernas” (Zugibe,
A Crucificação de Jesus, p. 127).
Esses relances dolorosos revelam que temos apenas uma vaga ideia do sofrimento de Jesus. Para uma geração acostumada a confortos e prazeres, uma dor
assim está além da imaginação.


I. Jesus Se fez maldição para nos salvar
Na mentalidade bíblica, se alguém morria pendurado em um madeiro, era
por ser um maldito de Deus. Os réus de morte pendurados no madeiro não deveriam permanecer suspensos até o pôr do sol, pois mantê-los contaminaria a terra
(Dt 21:23). “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se Ele próprio maldição em nosso lugar” (Gl 3:13; ver 2Co 5:21). Na cruz Jesus não sofreu pelas
maldições, foi feito maldição. Não morreu como pecador, mas como pecado.
Os pecados de todos os seres humanos de todas as épocas foram colocados
sobre Cristo. Nesse processo, o Pai, com quem Jesus tinha uma profunda ligação
desde a eternidade, teve que Se afastar. Isso provocou uma angústia infinita em
Jesus. Isso O levou a clamar: “Deus Meu, Deus Meu, por que Me desamparaste?”
(Mt 27:46). Uma escuridão sobrenatural envolvia o corpo de Jesus, ocultando a
presença de Deus e dos anjos, mas Jesus não a podia sentir. Ele estava bebendo
sozinho do cálice da ira contra os pecados do mundo, um cálice que Ele pediu ao
Pai que Lhe fosse poupado (Mt 26:39). Isaque, filho de Abraão, foi poupado, mas
Jesus, o Filho de Deus, não.
Jesus Se identificou com o pecado a tal ponto que imaginou que o Pai O estava
rejeitando para sempre. “O afastamento do rosto divino, nessa hora de suprema
angústia, penetrou em Seu coração com uma dor que nunca poderá ser compreendida pelo ser humano. Essa agonia era tão grande que Ele mal sentia a dor física. […]
O Salvador não podia enxergar além do sepulcro. […] Temia que o pecado fosse
tão ofensivo a Deus que Sua separação tivesse de ser eterna. […] Foi a sensação do
pecado trazendo a ira divina sobre Ele, como substituto do homem, que tornou tão
amargo o cálice que bebeu e rompeu o coração do Filho de Deus” (Ellen G. White,
O Desejado de Todas as Nações, 2021, p. 605, 606). Mesmo sem ver uma porta de
saída, Ele não desistiu e fez isso por nós.
“E assim como Moisés levantou a serpente no deserto, assim também é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todo o que Nele crê tenha a
vida eterna” (Jo 3:14, 15). Quando os israelitas peregrinavam no deserto, murmuraram, e por isso foram mordidos por serpentes venenosas. Deus ordenou que
Moisés pendurasse uma serpente de bronze para que as pessoas simplesmente
olhassem para ela e fossem salvas no ato de contemplá-la (Nm 21:4-9). Da mesma
forma, basta olhar pela fé para o Homem cravado na cruz, amaldiçoado, feito
pecado, para obter a salvação. Basta confiar no sacrifício que Ele realizou.

Ele foi ferido pelo inimigo, que fez com que Ele sofresse ao máximo para
que desistisse de nos salvar. Por outro lado, pela primeira vez Satanás O teve em
Suas mãos. Como um pecador, não pôde conter sua vontade incontrolável de
torturá-Lo e matá-Lo, por mais que soubesse que isso prejudicaria a si mesmo.
O pecado é assim: sempre leva à autodestruição, por mais ilógico que pareça.

Eles descobriram o mal em uma árvore. Em um pedaço de árvore,
Jesus entregava Sua vida. Se, no paraíso, a serpente falou da árvore, trazendo
destruição, o ato salvador de Cristo do alto do madeiro trouxe redenção. Em
Romanos 5, o apóstolo Paulo apresenta a Cristo como o segundo Adão, que
acertou onde o primeiro falhou. Por um homem, Adão, o pecado entrou no
mundo, e o pecado “passou a toda a humanidade” (v. 12). Semelhantemente,
“por um só homem”, “muito mais a graça de Deus” prevaleceu (v. 15). “Onde
aumentou o pecado, aumentou muito mais ainda a graça” (v. 20).

. Não podemos pensar que esse sacrifício tão poderoso não possa cobrir nossos pecados, por piores que sejam. Precisamos lançar nossa fé no Homem que foi pendurado sobre o madeiro, o Cristo crucificado, e receber Dele vida e salvação.
Seu sangue é capaz de perdoar pecados, transformar o caráter, renovar a família,

nos tornar pessoas melhores e mais felizes. Por meio de Sua graça, podemos
encontrar um novo motivo para existir!


II. Jesus satisfez a justiça divina
A cruz também revela a malignidade do pecado. Uma das melhores definições
de pecado é “transgressão da lei” (1Jo 3:4). A lei de Deus deriva de Seu caráter e é um
princípio tão eterno quanto o ser de Deus. A conexão de Deus com a lei é de identidade, é a expressão de Seu ser moral (Stott, A Cruz de Cristo, p. 106). Se Deus é amor
(1Jo 4:8), a lei se resume no amor (Mt 22:37-39), pois ela deriva do caráter divino.
Ao pecarmos, transgredimos a eterna lei divina, gerando uma culpa tão eterna
quanto o caráter de Deus que a origina.
É por isso que nenhum anjo, por mais exaltado que fosse, poderia morrer por
nós. Anjos não são divinos nem eternos. Sua vida não seria suficiente para pagar
um preço eterno. Cristo é diferente. Ele não tem vida; Ele é Vida (Jo 11:25; 14:6).
Assim, a Divindade não enviou um ser criado para morrer pelos nossos pecados, não
terceirizou Sua obra da redenção. Ela Se deu a Si mesma em Cristo. De certa forma,
“Deus estava em Cristo reconciliando Consigo o mundo” (2Co 5:19). Em Cristo,
Deus pagou para Si mesmo o preço eterno do resgate. Ele satisfez a própria santidade.
Somente Deus teria condições de pagar o preço de nossa redenção; porém,
somente o ser humano deveria fazer isso, o que era impossível. Como Anselmo
da Cantuária afirmou quase mil anos atrás, “‘não há ninguém […] que pode trazer satisfação a não ser o próprio Deus […]. Mas ninguém deve fazê-lo a não ser
o homem’” (Stott, A Cruz de Cristo, p. 107). Felizmente, Jesus é divino e humano.
Nessa condição única, Ele derramou Seu sangue eterno para pagar como homem
o preço da nossa eterna redenção. A salvação vem unicamente Dele. Não está nas
mãos de nenhum ser humano, igreja, religião, espírito, mágica, pastor, padre, guru,
filosofia ou ideologia política prover salvação. A salvação vem unicamente de Cristo.
“Em Sua humilhação, Cristo estava sendo glorificado. Aquele que, a todos os
outros olhos, parecia vencido era o Vencedor. Foi reconhecido como Aquele que levou
sobre Si os pecados. Os homens podiam dominar Seu corpo humano. Podiam ferir
a santa fronte com a coroa de espinhos. Podiam tirar Suas vestes e discutir sobre a
divisão delas. Mas não podiam impedi-Lo de perdoar pecados. […] É Seu direito
como Rei salvar completamente a todos os que se aproximam de Deus por meio
Dele” (White, O Desejado de Todas as Nações, p. 603, 604, itálicos acrescentados).

A cruz foi a peça com que Jesus consertou o mundo quebrado pelo pecado.
Porém, não foi algo fácil para Ele. Cristo sofreu ao som de zombarias e desafios
para descer da cruz e Se salvar. Foi cuspido, despido, surrado e torturado. Poderia
pôr um fim a tudo aquilo a qualquer instante e reverter a cena, com justiça. Ele
não desistiu, mas resistiu pacientemente até o último espasmo da musculatura,
até última gota de sangue, até o último suspiro doloroso. Consciente do cumprimento de Sua missão, bradou: “Está consumado!” (Jo 19:30). Ele venceu!



Jesus não desistiu de você. Qual será sua resposta a esse grande sacrifício?
Hoje Cristo o chama.