APRENDIZADO PERMANENTE

Como a convivência com autistas pode sensibilizar corações e transformar a vida familiar

A jornalista Keiny Goulart e seu esposo, o teólogo Marlon Bruno, precisaram reconfigurar suas vidas com a chegada do segundo filho, Derek. Mas o que poderia ser motivo de receio e até tristeza trouxe ainda
mais amor ao lar, e uma vontade imensa de transformar a realidade de outras famílias que recebem o mesmo diagnóstico: Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).
Nesta entrevista, os dois sublinham os desafios, mas, principalmente, as lições que colhem da convivência
com uma criança autista.


Em que contexto vocês receberam o diagnóstico de TEA?
Keiny Goulart e Marlon Bruno – Servíamos à Igreja Adventista na cidade de Vilhena, em Rondônia.
Era o nosso terceiro ano no ministério pastoral. Nós observávamos o desenvolvimento do Derek tendo a

Myah, nossa filha mais velha, como referência, e alguns comportamentos nos chamaram a atenção. Com um ano e meio, ele já agrupava pedras em simetria, e organizava os lápis de cor usados dentro da caixa como se tivesse acabado de abri-la.

A investigação foi longa, passando por profissionais da neuropediatria, fonoaudiologia, terapia ocupacional, neuropsicologia e psicopedagogia. Quando ele completou dois anos e dez meses, entramos no consultório da neuropediatra como uma família comum e saímos dele com um laudo em que constava Transtorno do Espectro do Autismo.


O que esse laudo gerou em vocês?
Keiny Goulart e Marlon Bruno – Um misto de sentimentos. Frustação por entendermos que
todo o planejamento que tínhamos para o futuro do nosso filho seria desfeito; insegurança por não sabermos com o que estávamos lidando; e alívio por encontrarmos o início de uma nova trilha e um novo significado para as nossas vidas.


O que precisou mudar no seu dia a dia para que o Derek tivesse o suporte necessário?

Keiny Goulart e Marlon Bruno – A rotina da família de um autista precisa passar por adaptações, uma
vez que o tratamento precoce faz toda a diferença no desenvolvimento da criança. Muitas pessoas com TEA têm outras comorbidades ao longo da vida, e com o Derek não foi diferente. Tivemos que aprender a lidar com crises convulsivas e longas horas em salas de espera nas clínicas de tratamento.


Pela sua experiência, quais são os principais desafios da convivência com um autista?
Keiny Goulart e Marlon Bruno – Um dos maiores que enfrentamos é a inclusão. Certa vez, estávamos em
uma pizzaria com playground. Ao olharmos para o Derek sozinho na cama elástica, percebemos que as outras crianças se afastaram dele, e perguntamos para a Myah o que estava acontecendo. Ela nos disse que nenhuma criança queria brincar com ele por ser diferente.
Vivenciamos cenas como essa com frequência.
Outro desafio é a aplicação dos direitos do autista.
Pelo fato de o autismo manifestar-se apenas em traços comportamentais, e não em características físicas, como outras síndromes, muitas pessoas não aceitam essa condição e acabam sendo intolerantes. Isso gera muito desconforto na escola, nos bancos, nos supermercados e em diversos outros ambientes.


Por outro lado, há grandes aprendizados, certo?

Keiny Goulart e Marlon Bruno – Sim. Aprendemos com nosso filho que o amor precisa ser
personalizado. Por vezes, o Derek nos belisca para agradecer o carinho que recebeu. Esse comportamento não é o ideal, então buscamos orientá-lo, mas sabemos que é uma das suas formas de demonstrar amor. O diagnóstico dele também nos uniu ainda mais, como
família. Nós passamos a ser mais reflexivos, aprendemos a ter paciência e perseverança e a depositar toda a nossa confiança em Deus. Parece clichê, mas a nossa fé tem sido testada constantemente, fazendo com que nossa relação com Deus seja mais sincera e profunda.
Juntos, vocês criaram uma rede de apoio para quem se depara com a mesma realidade com que vocês

foram surpreendidos. O que, exatamente, as pessoas encontram nessa iniciativa?
Keiny Goulart e Marlon Bruno – Aceitar a realidade de ter um filho autista não é fácil, mas escolhemos
assumi-la. Permitimos que Deus transformasse a nossa dor em esperança, e isso nos abriu portas para não apenas mudarmos o nosso mundo e a forma como enxergamos a vida, mas também para ajudar outras famílias a lograr o mesmo. Não somos pioneiros na causa da inclusão; muitos já estavam à nossa frente nessa luta em prol das pessoas diferentes. No entanto, da nossa vivência surgiu a Raafa (Rede Adventista de Apoio à Família Autista). O principal objetivo dessa iniciativa é acolher e apoiar as famílias de pessoas com autismo por meio da troca de experiências entre elas. A Raafa cresceu
tanto que, hoje, tem comunidades em todo o mundo, e é uma das ferramentas do Ministério Adventista das Possibilidades (MAP), apoiando membros e amigos da Igreja.

Que conselhos vocês podem dar a outras famílias de autistas, a partir de sua própria experiência?

Keiny Goulart e Marlon Bruno – Não se amedrontem.
O que está à frente pode ser desconhecido, mas Deus está com vocês. Não importa se é autista ou
neurotípico, um filho é a maior bênção que podemos ter.
A alegria de conviver com um autista é perceber a pureza da vida. Nessa condição, encontramos uma fagulha daquilo que seria um ser humano ideal, e isso nos reacende a esperança de que um dia todos seremos puros, com um olhar de compreensão, de amor e afeto.

por Jefferson Paradello