O Poder da Escolha

Entrevista Viviane Silva Por ANNE SEIXAS

QUEBRANDOOSILÊNCIO

Buscar informações sobre procedimentos de parto é fundamental para combater a prática da
violência obstétrica

Trazer uma criança ao mundo envolve muitas situações e pessoas. Porém,
a mãe é a protagonista. Se a equipe médica não respeita os desejos e
necessidades dela no momento do parto, ocorre a violência obstétrica.
Esse termo define o uso de procedimentos dispensáveis, agressões físicas ou
verbais e condutas invasivas contrárias à vontade daquela que está prestes a dar à luz. Ocorrências desse tipo têm ampliado o debate sobre algumas práticas utilizadas nos centros de obstetrícia. É o caso das cesarianas, método que
ainda divide opiniões. Embora esse tipo de procedimento possa salvar vidas
nas situações em que o parto vaginal oferece risco à mãe ou ao bebê, o elevado número de cesáreas eletivas é um fenômeno que merece atenção. Países
sul-americanos como Brasil, Chile, Colômbia, Paraguai e Equador lideram
o ranking dos que mais realizam esse tipo de cirurgia sem uma indicação
médica real ou contra a vontade da gestante, segundo pesquisa publicada na
revista cientíca The Lancet, em 2018. A enfermeira obstetra, professora e
pesquisadora Vivianne Silva acompanha o dia a dia de pacientes no hospital
público em que trabalha. Na entrevista a seguir, a mestre em Enfermagem da
Mulher pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutora em Enfermagem
pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro nos ajuda a entender e evitar a
violência no parto.

A cultura de se realizar cesáreas tem
influência nos índices de violência obstétrica?

Sem sombra de dúvidas. Às vezes, a violência
obstétrica pode vir disfarçada de auxílio para
ajudar a gestante. Mas ainda é difícil apresentar
o outro lado, uma vez que os grupos educativos
sobre o assunto são incipientes. Fato é que as
mulheres passam hoje por uma grande mudança
no entendimento do que é o parto, independentemente de classe social e etnia. Isso varia dependendo de onde ela será atendida, se no sistema
público ou privado. O apelo para que a cesariana
seja escolhida também está relacionado à dor causada durante o parto. Na rede privada, essa cultura
prende-se muito à justificativa de que a cesariana
causa menos sofrimento à mulher. Já na rede pública,
é adotada para poupar os profissionais dos gritos
que, em sua dor, as mulheres emitem durante o
parto normal.
Quais são os riscos de um procedimento como esse de forma desnecessária?
A cesariana costuma ser apresentada como um
benefício à mulher. Assim, ela pode entender que
a equipe salvou sua vida, desconhecendo, porém,
os riscos e malefícios associados a esse procedimento, que, vale lembrar, não é uma via de
parto, mas uma intervenção cirúrgica. Muitas
mulheres submetidas à cesariana acabam tendo
que retornar às instituições de saúde por causa
não somente de questões estéticas, mas também
devido a inferências anatômicas e infecções,
além dos diagnósticos errôneos. Muitas vezes,
a parturiente acaba na mesa cirúrgica sem nem
saber o motivo. A cultura cesarista é muito focada
em medicamentos e procedimentos. Por isso, a
paciente acaba submetida às ordens médicas sem
saber exatamente o porquê. Dessa maneira, ela
pode ser violentada das mais diferentes formas,
inclusive fisicamente.
E quais seriam as vantagens do parto normal em relação à cesariana? Que benefícios ele
traz para a mãe e o bebê?

Ele é muito mais seguro para ambos. Um dos
motivos é a preservação do sistema reprodutivo.
Mulheres que passam por cesarianas têm maior
probabilidade de hemorragias. Isso pode resultar

em histerectomia, que é a retirada cirúrgica do
útero e seus anexos, de forma desnecessária.
Geralmente, o modelo cesarista traz o pressuposto
de que a mulher que se submeteu a esse procedimento não poderá ter um parto vaginal em novas
gestações. O parto normal também garante menor
índice de bebês prematuros, visto que cada parto
e cada gestação têm o seu tempo dada a questão
hormonal. O puerpério dessas mulheres é muito
mais rápido, com menores índices de complicações
e até de dores. Ela será a protagonista do próprio
parto e terá as possibilidades de escolhas para as
posições mais confortáveis.
Você trabalha diretamente com partos, assistindo as parturientes e a equipe médica.
Quais práticas precisam mudar nesse processo para torná-lo mais respeitoso para
a mãe?

Quanto mais orientada ela estiver sobre seus
direitos, menor será a incidência da violência
obstétrica. É imprescindível que haja um acompanhante no momento do parto. Ele é um grande
aliado para evitar o ato violento. A presença
das doulas também fortalece o apoio emocional.
Essa pessoa pode perceber violências às quais a
mulher nem sempre está atenta devido à atividade
do parto. A capacitação contínua dos profissionais também é importante para que eles sejam
sensibilizados.
Qual seria a equipe ideal para assistir uma mulher no seu processo de parto?
O melhor parto é aquele em que o profissional
não precise fazer nada. Trata-se de um processo
fisiológico, natural. A medicina, especialmente a
ocidental, tomou posse desse processo tão intrínseco dos seres humanos. O ideal é que os

profissionais sejam aqueles que usam as evidências
científicas como base para as decisões, procedimentos e eventuais intervenções.
Como a mãe pode se preparar para ter um parto respeitoso, que valide seus desejos e
preferências nesse processo?

Orientação prévia, a presença do acompanhante
e, num plano ideal, a mudança das culturas
institucionais.