VIRADAS ESPETACULARES

INTRODUÇÃO

“Era, então, Jefté, o gileadita, homem valente” (Juízes

11:1a). Temos aqui as primeiras pistas acerca de nosso protagonista: Jefté era gileadita. Seu pai se chamava Gileade.

A Bíblia se refere várias vezes às terras de Gileade (uma região montanhosa da Transjordânia, uma área ocupada pelas tribos israelitas de Gade e Manassés). O pai de Jefté era rico, respeitado, com projeção social. Seu pai era muito importante, um israelita privilegiado.

Jefté era um homem valente. Em nossos dias, esperamos que nossos filhos sejam inteligentes, antes de valentes. Porém, naqueles dias, ser valente era primordial. Ser valente significava ter condições de ser um soldado, sonho de todo garoto.

I. O PRINCÍPIO DA VIDA DE JEFTÉ

UM “MAS”

Jefté parecia ter boas credenciais para ser considerado um homem promissor. A grande questão é: em língua portuguesa existem as conjunções coordenadas sindéticas adversativas, a saber “mas, porém, contudo, todavia, no entanto, entretanto”.

Essas palavras têm um grande poder de mudar a sequência de uma ideia.

Imagine o professor chamando o pai de um aluno. Ele diz: “Pai, seu filho é um bom garoto, todos gostam dele, na hora do intervalo vive cercado de gente – é o centro das atenções,

na quadra é o craque do jogo, mas não tem tirado boas notas”.

Percebe?

Mas é uma palavra pequenina, mas com grandes implicações. Muitas vezes ela se intromete como “uma estraga-prazeres”, jogando por terra nossos sonhos e anulando todas as disposições que nos eram favoráveis. Existe um “mas” no seu caminho? Jefté também tinha um mas, um porém: “…porém [era] filho de uma prostituta” (Juízes 11:1b).

Isso muda tudo. Não temos mais o jovem com potencial.

Imagine como deve ter sido sua concepção. Gileade tem uma discussão com sua esposa, sai para espairecer, senta-se à mesa de um botequim. Logo surgem “companhias”. Gileade tem alguns momentos de prazer e volta para casa. Dias depois, recebe uma mensagem da prostituta com quem estivera: “Estou grávida. O filho é seu”. Não sabemos como ela descobriu que o filho era de Gileade, dada à natureza de sua atividade, mas o fato é que a Palavra de Deus relata que isso era verdade.

A REJEIÇÃO NA CONCEPÇÃO E AO NASCER

As semanas vão passando. A barriga daquela mulher vai crescendo. Ela vai perdendo clientes. Imagine que palavras ela deve ter usado para se dirigir aquele ser em desenvolvimento em seu ventre: “Você é um erro. Vai causar um estrago em

minha vida. Quem dera você não existisse”.

Ainda no ventre materno, Jefté já carregava o estigma de ser filho ilegítimo e isso deveria acompanhá-lo até seu último dia de vida na face da terra. Mesmo antes de vir à luz, já fora

rejeitado.

O feto é capaz de perceber os sentimentos e expectativas que seus pais nutrem em relação a ele. Durante a gravidez, mãe e filho compartilham não apenas do mesmo alimento e

do mesmo ar, mas de sensações, desgostos e sobressaltos comuns. Há marcas que se instalaram em nós quando ainda estávamos no útero materno e que podem acompanhar-nos e assombrar-nos durante anos.

Nove meses se passaram e, um dia, Gileade se depara com uma caixa de papelão na frente de sua casa. Lá havia um bebê

e um bilhete que dizia: “Tome que o filho é teu”. Aquilo que até ali estava sendo administrado por Gileade para que se mantivesse em segredo, agora se torna público. Imagine a surpresa de sua esposa! Certamente havia em seu coração decepção

misturada com ódio, certamente transferido por ela para Jefté.

Sempre que o via, vinha-lhe à lembrança o episódio de infidelidade de seu marido.

ƒ Pergunta 1: Jefté pediu para nascer? Pediu para passar por essa situação?

ƒ Pergunta 2: Pergunte para Jefté, agora já um adolescente, “onde está Deus”. Ele terá dificuldades para responder.

Você certamente já teve dificuldade para responder a essas questões. Vamos avançar. Leiamos Juízes 11:2 “Também a mulher de Gileade lhe deu filhos”.

Pela ordem do texto, Jefté parece ser o filho mais velho de Gileade. Agora ele tem outros irmãos. Mais uma vez use sua imaginação e pinte o quadro da família tomando uma refeição. Cada um sentado em sua cadeira costumeira. Jefté, talvez no assento mais distante da madrasta, é metralhado pelo olhar dela. Que vida aparentemente sem qualquer propósito!

A REJEIÇÃO NA VIDA ADULTA

Jefté, além de ser rejeitado na concepção e no nascimento, já crescido, enfrenta outro revés. É escorraçado de casa pelos irmãos mais novos.

“Não herdarás na casa de nosso pai, porque és filho de outra mulher” (Juízes 11:2b).

Essa desculpa, “não herdarás” não tinha nexo algum, uma vez que, ainda que Jefté fosse o filho mais velho (e os filhos primogênitos abocanhavam 50% da herança de seus pais, bem

como assumiam a liderança da família), era bastardo, e filhos bastardos não recebiam nenhuma herança. Ainda assim o expulsaram, para evitar qualquer risco. A ganância supera o amor.

A porta da casa se fecha atrás das costas de Jefté. Não há ninguém que o defenda. Pai em silêncio – não tem moral. Comunidade conivente. Ele está sozinho. Ele começa uma caminhada de 120 quilômetros ao norte de seu velho lar.

II. A VIDA DE JEFTÉ NO DESERTO

A ESCOLHA DE UM LUGAR PARA VIVER

Voltemos ao texto bíblico: “Então, Jefté fugiu da presença de seus irmãos e habitou na terra de Tobe…” (Juízes 11:3a). É impressionante como escolhemos para viver lugares que refletem a forma como nos sentimos. Jefté escolheu um lugar inóspito, insípido. Há rancor em seu coração. Há uma sensação absurda de desamparo. Pergunte a ele: “Onde está Deus? Qual o propósito de sua vida?”

Warren W. Wiersbe afirma que “a vontade de Deus jamais o conduzirá a um lugar em que a graça de Deus não pode guardá-lo”. É fácil pronunciar essa frase. Difícil é compreender

e aceitar quando se vive em um deserto como a terra de Tobe.

O que mais impressiona é que Tobe significa “frutífero” e deserto significa “encontro com a Palavra” (e a Palavra é Deus).

Isso Jefté só vai entender mais tarde. Phillip Yancey, tentando nos auxiliar nesse contexto, diz que “fé significa crer antecipadamente no que só fará sentido em retrospecto”. O grande desafio é que nesse instante só temos o presente.

RANCOR E REVOLTA

Quem Jefté encontrou naquela região? Com quem conviveu? A Bíblia nos dá a resposta: “[…] Lá alguns homens ordinários se juntaram a ele, e andavam juntos” (Juízes 11:3b).

Jefté se associou a um grupo indisciplinado e violento, especializado na arte do assalto à mão armada. Era gente que escolhera aquele lugar porque sentia o que Jefté sentia. Diante

disso, nosso protagonista tomou uma decisão: “Se não sou amado, pelo menos serei temido”. O que ele não compreendera ainda é que temor jamais será sinônimo de amor. Há em nosso coração peças como as de um quebra-cabeça. Uma delas se chama amor. A peça chamada temor jamais se encaixará

no espaço reservado para o amor. Isso deve ter tornado a vida

de Jefté ainda mais amargurada. Depois de algum tempo, Jefté se tornou o chefe do bando. Também passou a ser famoso por causa de seu jogo violento e uso habilidoso das armas.

O TEMPO DE DEUS

Nesse interim, por um tempo que não podemos determinar com exatidão, mas que certamente foi longo, não há sinais de que ele tenha mantido contato pessoal com Deus. Sobre a “demora de Deus”, Charles Swindoll afirma: “Deus não é escravo do relógio humano. Comparado às obras do homem, Ele é extremamente deliberativo e dolorosamente lento”. A prova disso está em outras histórias: Abraão esperou 25 anos

para ter um filho, Moisés esperou 40 anos no deserto para se tornar libertador dos hebreus, José esperou 13 anos entre sua chegada ao Egito e sua ascensão a governador da nação. O que nenhum desses personagens percebeu é que Deus esteve

trabalhando o tempo todo ao longo desse período de espera, preparando-os para cumprirem Seu propósito magnífico. Ele está fazendo exatamente isso com você nesse momento. A terra de Tobe realmente é frutífera, como veremos agora.

III. A GRANDE VIRADA

OS AMONITAS ATACAM AS TERRAS DE GILEADE

A pergunta é: há mesmo algo acontecendo por trás das cortinas? Há um propósito para tudo isso no final? Sim! A luz irá brilhar em meio às trevas. Um herói está brotando em terreno árido. O texto bíblico nos apresenta um episódio que se dá onde

viviam os irmãos de Jefté: “Algum tempo depois os amonitas foram guerrear contra o povo de Israel” (Juízes 11:4).

Por dezoito longos anos, esse povo, descendente de Amon, filho que Ló tivera com uma de suas filhas após a saída de Sodoma, atormentou a região onde vivera Jefté, por causa

da idolatria de seus compatriotas. Os irmãos de Jefté já não aguentavam mais. Suas colheitas eram roubadas ano a ano.

Seus filhos e esposas passavam necessidade extrema. Não havia ninguém treinado para fazer frente ao inimigo. O verdadeiro homem forte de que necessitavam estava em Tobe, em companhia de amigos violentos. Os israelitas perdiam terreno

na luta, e assim lembraram-se do único que poderia fazer alguma coisa contra os opressores.

Agora começamos a perceber a obra de arte construída por Deus ao longo do tempo. A hora da virada chegou, e Deus tem agora um Jefté diferente daquele dos primeiros versículos de Juízes 11. Ele agora é forte, indispensável, a única esperança para sua gente. Os métodos de Deus impressionam!

OS ANCIÃOS DE ISRAEL NEGOCIAM COM JEFTÉ, QUE DESABAFA

Jefté se tornara famoso por causa de seu jogo violento, e o povo de Israel carecia de sua grande experiência com a violência. Ele era um saqueador e suas habilidades eram indispensáveis para colocar em fuga os filhos de Amon, que viviam de saque. Jefté chega a assumir um aspecto heroico nesse momento. As crises exigem homens realmente fortes, líderes capacitados.

 Jefté era o único capaz. Os anciãos de Israel saíram atrás de Jefté, dispostos a entrar em algum tipo de negociação para que aquele homem violento lutasse em favor deles. Primeiramente, humilharam-se e ofereceram a Jefté o cargo de general de seu exército: “Venha com a gente e seja o nosso chefe [general] na guerra contra os amonitas” (Juízes 11:6).

O recado enviado pelos anciãos do povo foi simples: “Livra-nos dos filhos de Amon”. Somente uma crise poderia levar aquela gente a fazer tal convite a Jefté. Do contrário, teriampreferido que o homem valente continuasse longe, atacando fazendeiros e caravanas. Porém, os filhos de Amon perturbavam mais do que Jefté; e assim, a ameaça menor foi convocada a fim de eliminar a ameaça maior.

Agora Jefté está com “a faca e o queijo na mão”. Ele dá as cartas. Ele é o líder no jogo. Quando vê aqueles anciãos, que não moveram uma palha sequer para defendê-lo anos antes, Jefté explode: “Eu sei que vocês me odeiam; e odeiam tanto, que me fizeram sair da casa do meu pai. Como é que vocês vêm me pedir ajuda, agora que estão em dificuldade?” (Juízes 11:7).

O candidato a general relembrou os anciãos de Israel como fora injustamente tratado por parte de seus meio-irmãos, que o exilaram dentre o seu próprio povo. Ficamos sabendo aqui que os meio-irmãos de Jefté tinham apelado para que os anciãos do lugar garantissem que Jefté fosse mandado para o exílio. E os anciãos haviam concordado com o plano de

expulsão. É possível que algum dos meio-irmãos de Jefté fosse um daqueles anciãos.

Jefté estava amargurado com o tratamento injusto recebido, como ficaria qualquer um que tivesse sofrido o que ele sofreu. Por essa razão, aproveitou a oportunidade para humilhá-

-los e confundi-los. Agora eram eles que precisavam de Jefté. E ele cooperaria; mas cobraria um alto preço. O bastardo não somente herdaria alguma coisa, mas abocanharia a herança

inteira. E seus meio-irmãos ficariam com as migalhas do bolo, ou seja, da herança.

Sem ter muito o que dizer, aqueles anciãos somente reforçam sua proposta, fugindo do tema do desabafo de Jefté: “Nós viemos falar com você porque queremos que comande todo o povo de Gileade na luta contra os amonitas!” (Juízes 11:8).

A porta do lar outrora fechada vai ser reaberta! Jefté começa a perceber o que está acontecendo. E, aproveitando a oportunidade dada por Deus, faz sua contraproposta: “Se melevarem de volta para casa a fim de lutar contra os amonitas [comandante do exército], e se o SENHOR Deus me der a vitória, eu serei o governador [chefe absoluto, pequeno rei,

ditador] de vocês. Está certo?” (Juízes 11:9).

Os israelitas estavam procurando um general para aquele período de guerra. Mas Jefté tinha ideias maiores do que essa.

Se chegasse a ser general durante a guerra, queria continuar líder durante a paz, um pequeno rei na Transjordânia. Jefté,

pois, estava destinado a ser, primeiramente, um general capaz e, em seguida, um pequeno rei, investido de autoridade ditatorial.

Os anciãos de Israel dispuseram-se a aceitar as condições de Jefté. Na verdade, qualquer coisa que ele impusesse seria melhor do que continuarem sujeitos à opressão dos amonitas.

“Responderam os anciãos de Gileade a Jefté: ‘Sim. Nós faremos como você diz. O Senhor é a nossa testemunha e nos castigará se não fizermos segundo a tua palavra’” (Juízes 11:10).

“O Senhor é a nossa testemunha” demonstra que houve um pacto e um juramento solene diante do próprio Deus.

Os anciãos de Gileade submeteram-se a uma aliança na qual Deus foi invocado como testemunha. Isso significa que os anciãos não poderiam anular o pacto ou suavizar as condições.

O juramento foi confirmado em Mispa (Juízes 11:11), em uma cerimônia solene e pública. Aquele era um lugar alto, talvez revestido de alguma importância religiosa.

O juramento foi feito publicamente, tornando-se absolutamente obrigatório. O trecho de Deuteronômio 23:2 tornava inconstitucional este ato, visto que Jefté era filho bastardo.

Mas essa exceção foi feita em vista da grave crise do momento.

O propósito de Deus estava se desenhando ali, sob os olhos de todos.

JEFTÉ VENCE A BATALHA

Jefté retornou, arregimentou seu exército e foi para a batalha. O trecho de Juízes 11:29 mostra-nos que Deus fez vir Seu Santo Espírito sobre Jefté, a fim de garantir que ele lograsse êxito: “Então, o Espírito do SENHOR veio sobre Jefté; e, atravessando este por Gileade e Manassés, passou até Mispa; de Gileade e de Mispa passou contra os filhos de Amom”. O resultado foi segundo o propósito divino, assim como clamado pelo próprio Jefté: “Assim, Jefté foi de encontro aos filhos de Amom, a combater contra eles; e o SENHOR os entregou nas mãos de Jefté” (Juízes 11:32).

CONCLUSÃO

Os anciãos de Israel tinham saído em busca de um general, mas encontraram mais do que tinham imaginado. Seu general, valente e habilidoso, também seria o rei local. Isso

ocorreria a despeito das leis que proibiam a um filho bastardo assumir esse tipo de autoridade.

Foi um incidente dramático. O expulso da família tornou- -se o chefe de toda a região. A zombaria foi substituída pelo aplauso. As antigas injustiças estavam prestes a ser reparadas,

e de uma maneira gloriosa. Jefté elevou-se muito acima do destino que a ele fora decretado por seus impiedosos meio–irmãos e pelos anciãos do povo. Seu destino, porém, estava sob os propósitos divinos e assim, ele ascendeu na sociedade

israelita, apesar da oposição e da perseguição alheia. A ironia da situação foi que o seu destino não somente o fez subir na escalada social, mas também o tornou líder e chefe daqueles que antes o tinham perseguido.

A pergunta é: quem seria Jefté se não tivesse saído da casa de seu pai? No máximo um filho bastardo, rejeitado, triste, marginalizado. Então Deus trabalhou por meio de todos os

seus revezes para que o propósito se cumprisse, e o fez vencedor.

Para que entendam como é complexo e, por vezes, incompreensíveis os planos de Deus que trabalham para uma conclusão, um propósito maior! Lembro-me então da história de uma criança. Certo dia, essa criança, vendo sua avó fazer uma toalha em crochê, brincando no chão, olhando de baixo para cima, disse: “Vovó, que coisa feia é essa que a senhora está

fazendo? As linhas estão todas misturadas. Está tudo sem forma”. A avó, sorrindo para a criança, disse: “Calma, logo você verá quando estiver tudo pronto”. Ao terminar, ela pede que seu neto se levante e olhe agora a toalha, mas vendo de outra

posição, de cima para baixo. A criança, espantada diz: “Uau, vovó, como as formas são diferentes vistas dessa posição. Que lindo!”

O que vemos hoje é a obra de Deus de baixo para cima.

Nada parece fazer sentido. Mas, um dia, veremos de cima para baixo e, quando virmos, diremos: “Que belo trabalho! Ah, se faltasse apenas um detalhe, nada teria funcionado…”

Deus tem propósitos para nós, assim como afirma Jeremias: “Porque sou eu que conheço os planos que tenho para vocês, diz o Senhor, planos de fazê-los prosperar e não de lhes

causar dano, planos de dar-lhes esperança e um futuro” (Jeremias 29:11).

Você está disposto a permitir que Deus realize Seu propósito?